22 de jun. de 2009

Jabuticaba Madura

Jaboticaba Madura

De todas as lembranças da minha infância, a que trago como mais profunda e significativa é de quando, ainda bem criança mesmo, meus pais nos levavam para vizitar a casa da minha avó. Preciso descrever que a casa, ainda hoje, tem cheiro de lembranças e me disperta a fantasia. Meu pai e minha mãe nos preparavam e, quase todo domingo à tarde, anunciavam: Vamos vizitar o seu avô e a sua avó! Pra mim, isso indicava que era domingo e que iriamos nos encontrar com a família toda, crianças, tias e tios, ver a minha vó e o meu vô. Chegando na casa, que fica perto da casa dos meus pais, passavamos direto pela sala, onde tem os quadros do Sagrado Coração de Jesus e do Sagrado Coração de Maria, também o retrato do Tio Eustáqui, que morreu ainda criança e que minha avó lembrava com tanta ternura. No da minha avó uma penteadeira, cheia de retratos e imagens de santos, um verdadeiro altar. Na cozinha, onde sempre estavam as mulheres preparando o almoço, minha avó abria as latas de biscoito e eu escolhia os mais branquinhos, com gosto de erva dôce. Percorrendo toda casa alcançamos o quintal, onde meu avô ficava nos aguardando. Meu avô era um homem muito sério e, quando ainda jovem, por causa de um acidente de trabalho, teve de amputar uma das pernas. Eu olhava aquele homem sério, de bigode muito bem aparado e cabelo muito bem penteado, bonito mesmo! Sentia um certo medo, mas obedecia meu pai e, beijando a mão do meu avô dizia: Bença vô! E ele: Deus te abençoe! Assim tinha inicio os momentos mais maravilhosos da semana!
 
Na época que as jabubicabas amadureciam minha vó convidava toda familia pra participar da colheita. Antes do dia combinado ninguém invadia o cercado onde estavam plantados os dois pés da fruta que marcou a minha infância. Entre os dois pés de jabuticabas havia uma espécie de poço coberto com uma tampa de madeira, de onde se retirava água para regrar todo o jardim, minha avó tinha uma coleção de violetas que vicava em exposição naquele lugar mágico. O terreiro era, prá mim, um mundo encantado, a ser descoberto a cada dia! Voltando as jabuticabas: minha avó avizava que as jabuticabas estavam maduras e que todos deveriamos ir naquele domingo para grande festa. O espaço era cercado e os dois pés de jabuticaba pareciam falar comigo, parecia que eles me chamavam, eu os admirava como quem chega diante de um altar... Criança pequena nao pode entrar! Só os meninos maiores é que vão subir e colher as jabuticabas pra todo mundo... Ninguém precisa ficar preocupado, vai ter jabuticaba prá todo mundo! Meu Deus do céu... Que emoção! Eu ficava do lado de fora da cerca, olhando os meninos subirem no pé de jabuticaba e este momento resume toda minha infância. Não sou capaz de descrever tudo que significava aquela experiência pra mim, mas posso dizer que ainda hoje posso ouvir os gritos das crianças e os rizos das minhas tias. Do alto, os meninos maiores, lançavam as jabuticabas pra nós e, quem fosse mais rápido conseguia pegar as maiores e mais doces. Mas, para não acontecer de alguém ficar em desvantagem, recolhiamos tudo em grandes bacias com água fresca e, quando os meninos já tinham colhido bastante, juntavamos todos em torno das  bacias para saborear o fruto da colheita.
 
No final do dia, cançados de tanto correr e brincar, quando algumas famílias começavam a ir embora, era sinal de que terminava mais um domingo. Tudo parecia tão simples e cada momento era vivido por todos como um verdadeiro presente de Deus. Família unida, crianças correndo e gritando pelo jardim, jaboticaba madura que vem do céu... Tudo perfeito! Tudo graça de Deus. O quanto teria marcado a vida de todos, confesso, não sou capaz de avaliar. Marcou a minha historia, adoçou a minha vida. Jaboticaba Madura, tem gosto de beijos de Deus...